Teruo Nakatani

Sensei Nakatani
Teruo Nakatani nasceu em 1932 na ilha de Hokkaidô, extremo norte do Japão, no distrito de Uryu, fazendo parte da 3ª geração da família Nakatani a morar lá.

Seu avô paterno veio originalmente do sul, enquanto que seu pai já nasceu em Hokkaidô.

Cursou as escolas primária e secundária ainda em Hokkaidô, mudando-se posteriormente para Tókio a fim de cursar Economia na Universidade Meiji.

Praticou Judô desde a infância e adolescência, tendo atingido o grau de faixa-preta.

Também era praticante de alpinismo, fato esse, como veremos, incidentalmente bastante relevante para a história do Aikidô no Brasil.

Durante os anos de prática de alpinismo nas íngremes e geladas montanhas do Japão, sofreu vários acidentes menores e lesões de maior ou menor gravidade, culminando com um grave acidente, em que, por pouco não perdeu a vida, tendo ficado pendurado, inerte, apenas por um braço, que milagrosamente ficou enrolado em uma das cordas de apoio. Apesar de ter sobrevivido, o acidente provocou uma grave lesão no ombro, o que o forçou a descontinuar a prática de Judô.

Sem poder pratica Judô e tendo grande interesse pelas artes marciais, começou a treinar Karatê.

No entanto, apenas alguns meses depois de iniciar a prática de Karatê, ouviu falar do Aikidô e de seu fundador, Morihei Ueshiba, e foi ao Honbu Dojô para assistir a uma aula.

Segundo ele mesmo conta, ao ver os alunos sendo derrubados tão facilmente pelo fundador, pensou tratar-se de algum tipo de fraude ou truque. De algum modo, o fundador percebeu a sua descrença e o convidou a atacá-lo da maneira que achasse mais conveniente.

Tendo aceitado o desafio, partiu para cima do fundador, plenamente confiante em sua capacidade de derrubá-lo.Acordou no vestiário, sendo reanimado pelos alunos...

Depois disso, matriculou-se imediatamente, chegando posteriormente à graduação de faixa-preta 3º dan. Graduação recebida das mãos do próprio fundador.

No Honbu Dojô praticou ao lado de vários praticantes, hoje mestres mundialmente famosos, como Yoshimitsu Yamada, Nobuyoshi Tamura e vários outros. Também conheceu Yasuo Kobayashi, que, por coincidência, cursava engenharia na mesma universidade e tornaram-se grandes amigos (esse fato foi também muito importante para a história do Aikidô no Brasil, como veremos adiante).

Ao formar-se em Economia foi contratado por uma grande empresa de Tókio.

Preocupado com as condições de trabalho dos colegas e questões sociais, ajudou a fundar um sindicato para defesa dos direitos dos trabalhadores.

Como as atividades sindicais não eram muito bem vistas pelo governo e empresas no Japão, começou a pensar em se mudar para o exterior.

Pensou inicialmente em algum país do sudeste asiático, mas, ao se dirigir à prefeitura para solicitar passaporte, conheceu um funcionário, o Sr. Kobayashi (sem parentesco com o mestre de Aikidô) que o convenceu que o Brasil era uma melhor opção para um jovem profissional com sua formação, pois várias empresas japonesas funcionando no Brasil teriam grande interesse em contratar japoneses.

E assim, em novembro de 1960, chegou ao nosso país.

Inicialmente, chegou a São Paulo, passando 3 meses se deslocando pelo interior em busca de oportunidades.

Finalmente resolveu ir para o Rio de Janeiro, onde chegou 3 dias antes do carnaval de 1961.

Tão logo chegou ao Rio, foi contratado pela empresa Ishikawajima e passou a trabalhar na área portuária.

Próximo ao trabalho ficava o Hospital dos Servidores, que possuía uma sala de treinamento de Judô, montada para os funcionários. Nessa sala, em outubro ou novembro de 1961, foi dada a primeira aula de Aikidô no território Brasileiro.

A fama do Aikidô do Professor Nakatani logo começou a se espalhar e ele foi convidado pelo professor Georges Mehdi (atualmente 9º Dan em Judô) para dar aulas em sua Academia, à época, uma das maiores do Rio.

Paralelamente às aulas na Academia Mehdi, começou, a seguir, a dar aulas na “Associação dos Faixas-Pretas”, academia de Judô do Professor Nagashima. Lá, entre outros futuros faixas-pretas, começou a treinar José Maria Ribamar Santos Martins (1965), que viria a ser o aluno mais graduado (atualmente 6º Dan) formado por Nakatani Sensei.

Mais adiante, as aulas de Aikidô foram transferidas para uma sala na Rua Barata Ribeiro, na histórica “Associação Carioca de Aikidô”.

Nakatani Sensei permaneceu à frente da Associação Carioca de Aikidô até 1975, tendo formado vários faixas-pretas (ver texto “Pequena História do Aikidô em Brasília”).


Em 1972, José Martins, então 1º Dan, mudou-se para Brasília e introduziu a prática do Aikidô, sob supervisão de Nakatani Sensei, que se deslocava periodicamente a Brasília para realização de treinamentos especiais e exames dos alunos. De Brasília, o Aikidô da linhagem Nakatani espalhou-se pelas diversas regiões do país.

Em 1975, por conta de várias responsabilidades empresariais e ainda por agravamento de antigas contusões da época de alpinista, especialmente o surgimento de um grave reumatismo no joelho, Nakatani Sensei resolve aposentar-se precocemente do Aikidô.

Para substituí-lo na coordenação do grupo procurou, no Japão, um substituto à altura da tarefa. Solicitou ao seu colega, Yasuo Kobayashi, que indicasse um aluno para a missão e, assim, em 1975, o então 3º Dan, Ichitami Shikanai (atualmente 7º Dan), aluno de Kobayashi, chega ao Brasil e vem, desde então, coordenando e expandindo o Aikidô da linhagem Nakatani/Shikanai no Brasil e exterior.

"No Japão do pós-guerra muitas coisas eram difíceis de conseguir, incluindo tecidos. Devido a esta escassez, nós treinávamos sem hakama.

Nós tentamos fabricar hakamas das cortinas usadas nos blackouts nos ataques aéreos, mas devido a sua longa exposição ao sol ao longo dos anos, as áreas dos joelhos se transformavam em pó assim que começávamos a praticar swari waza. Nós estávamos constantemente remendando aqueles hakamas.

Foi naquelas condições que alguém veio com uma sugestão : "Por que não dizemos que é incorreto o uso do hakama até que você se torne shodan ?". Essa idéia foi levada adiante como uma regra temporária para evitar despesas. A idéia de aceitar a sugestão nada teve a haver com tornar o hakama um símbolo de graduação em dan."

Shigenobu Okumura Sensei, "Aikido Today Magazine", # 41.

"Quando fui uchi deshi de O'Sensei, todos eram obrigados a usar hakama no treinamento, desde o primeiro momento em que pisavam no tatame. Não havia restrições quanto ao tipo de hakama que você poderia usar e então o dojo era um lugar muito colorido. Via-se hakamas de todos os tipos, todas as cores e todas as qualidades, desde o hakama do kendo, passando pelo listrado da dança japonesa até o luxuoso hakama de seda chamado sendai-hira. Eu imagino que alguns praticantes passavam o diabo por tomarem emprestado o caro hakama de seu avô, confeccionado para ser usado somente em ocasiões especiais e cerimônias, e usa-lo ajoelhado, na pratica de swari waza.

Eu me lembro claramente do dia em que esqueci meu hakama . Eu estava entrando no tatame para o treinamento usando somente meu dogui , quando O'Sensei me deteve : "Onde esta seu hakama ?", ele me perguntou severamente. "O que o faz pensar que você pode receber as instruções de seu professor usando somente suas roupas de baixo ? Você não tem nenhum senso de conveniência ? Você esta obviamente precisando da atitude e da etiqueta necessárias a alguém que tem por objetivo o treinamento do budo. Vá se sentar fora do tatame e assista a aula !"

Essa foi somente a primeira de várias repreensões que recebi de O'Sensei. Porém, minha ignorância na ocasião o induziu a instruir seus uchi deshi depois da aula sobre o uso do hakama . Ele nos disse que o hakama era um traje tradicional dos estudantes de kobudo e perguntou se algum de nós conhecia o significado das sete pregas do hakama.

"Elas simbolizam as 7 virtudes do budo", disse O'Sensei ."Elas são jin (benevolência), gi (honra ou justiça), rei (cortesia e etiqueta), chi (sabedoria, inteligência), shin (sinceridade), chu (lealdade) e koh (piedade). Nós encontraremos essas qualidades nos distintos samurais do passado. O hakama nos leva a refletir sobre a natureza do verdadeiro bushido .

Usa-lo simboliza tradições que nos foram transmitidas através de gerações. O aikido se origina do espírito do bushido do Japão e em sua prática nós devemos nos esforçar em aprimorar as sete virtudes tradicionais."

Atualmente muitos dojos de aikido não seguem as orientações existentes sobre o uso do hakama. Seu uso tem perdido o significado como um símbolo tradicional de virtude para ser considerado como símbolo do status de yudansha. Eu tenho viajado a vários dojos em vários países e em muitos desses lugares onde somente o yudansha usa hakama , o yudansha tem perdido sua humildade.

Eles encaram o hakama como um prêmio a ser exibido, como um símbolo visível de sua superioridade. Este tipo de atitude torna a cerimônia de reverência a O'Sensei , com a qual começamos e terminamos cada aula, uma afronta a sua memória e a sua arte.

Pior ainda, em alguns dojos mulheres menos graduadas (e somente as mulheres) são obrigadas a usar hakama, supostamente para preservar seu pudor. Para mim isto é ofensivo e discriminatório para a mulher aikidoista. Isto também é ofensivo ao aikidoista homem, que por isso assume uma atitude de pouco caso que não tem lugar no tatame do aikido.

Ver o hakama ser usado desta maneira mesquinha me entristece. Isto pode parecer uma questão trivial para alguns mas eu lembro bem a enorme importância que O'Sensei dava ao uso do hakama. Eu não posso negar o significado deste traje e ninguém, eu acho, pode discutir o enorme valor das virtudes que simboliza.

Em meu dojo e escolas associadas eu estimulo todos os estudantes a usar hakama independente de seu ranking ou grau (eu não exijo o uso do hakama antes que eles atinjam sua primeira graduação, uma vez que os iniciantes nos EUA geralmente não têm avós japoneses cujo hakama possa ser emprestado). Eu sinto que o uso do hakama e o conhecimento do seu significado ajuda os estudantes a se conscientizar do espírito de O'Sensei e a manter viva sua orientação.

Se nós permitirmos que a importância do hakama desapareça, talvez nós comecemos a admitir que coisas fundamentais para o espírito do aikido também caiam no esquecimento. Se, por outro lado, nós formos fiéis aos desejos de O'Sensei respeitando nosso traje de prática, nossos espíritos estarão sendo fiéis ao sonho ao qual ele dedicou sua vida."

Mitsugi Saotome Sensei, "Os Princípios do Aikido".



Clique aqui e acesse a entrevista realizada com o Sensei Teruo Nakatani (77 anos),  realizada no ano de 2009, em Brasília-DF, por ocasião da entrega do 6º Dan ao Mestre  Martins.